Voluntariado protege cérebro de idosos contra demência e perdas cognitivas

Pesquisa mostra que trabalho voluntário melhora execução de tarefas básicas e contribui para memória

Nos hospitais, a presença de voluntários modifica o ambiente nos corredores Créditos: Divulgação

É praticamente unânime a resposta de um voluntário sobre o porquê manter a atividade: “quem recebe a maior recompensa sou eu”. E a ciência demonstra que isso é verídico. Uma pesquisa recente divulgada durante a Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, em Amsterdã, na Holanda, em julho deste ano, indica que o voluntariado protege o cérebro de idosos contra demência e perdas cognitivas. 

O estudo foi realizado pela Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos. O estudante de doutorado Yi Lor, em colaboração com a professora da instituição Rachel Whitmer, epidemiologista e PhD, analisou os hábitos de 2.476 idosos. Dentre eles, 43% realizavam trabalho voluntário. A pesquisa evidenciou que o voluntariado estava relacionado a melhores pontuações em ações executivas (como planejamento, organização, interação humana) e em avaliações de memória. O estudo também apontou que pessoas que se envolviam em trabalho voluntário várias vezes na semana apresentavam níveis mais elevados de função executiva. 

Além desta pesquisa mais recente, outros estudos já evidenciaram a importância de os idosos permanecerem ativos visando à preservação da saúde. Para a médica neurologista dos Hospitais São Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru Gabriella Maria Martins Favero, há muitos benefícios na interação social. “Atualmente consideramos as habilidades sociais um dos pilares da cognição e o isolamento social em idosos é um dos principais fatores de risco modificáveis para o desenvolvimento de demência. O estímulo a atividades comunitárias, como o voluntariado, é essencial para reduzirmos a incidência de declínio cognitivo com o passar dos anos”, pontua.

Time que faz o bem

Nos hospitais, a presença de voluntários modifica o ambiente nos corredores. Um grupo que busca realizar ações positivas para aqueles que estão enfrentando problemas de saúde, como as 362 pessoas que colaboram nos hospitais Universitário Cajuru e São Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR). O projeto completa 17 anos em 2023 e teve início no Hospital Universitário Cajuru, que é referência em atendimentos a traumas e opera exclusivamente pelo SUS. Muitos voluntários estão desde o princípio prestando serviços nos hospitais. Esse é o caso da Dayzi Senk, que tem 58 anos de idade. Ela começou a contribuir com o projeto aos 41. Ao longo do tempo, desempenhou diversas funções: condução de pacientes, participação no grupo de palhaços, atendimento telefônico, entre outras. Atualmente, ela segue atendendo telefonemas de solicitações para os voluntários e também se envolve no projeto “Mãos que transformam”, que produz itens para doação a pacientes e profissionais dos hospitais – como celebração em datas especiais, por exemplo. 

O ambiente hospitalar não era estranho para Dayzi. Ela enfrenta insuficiência renal e, por essa razão, passa por sessões de hemodiálise três vezes por semana, sempre pela manhã. No período da tarde, de terça a quinta-feira, ela dedica o seu tempo ao trabalho voluntário. “Tenho gratidão a Deus por conseguir realizar essa atividade. Abraço essa causa e vou até o fim da vida. É muito gratificante pra mim, me faz bem. Além disso, eu tenho um grupo ‘das antigas’, a gente tem amizade fora do hospital. Nos encontramos para jantar, sempre na casa de uma de nós. Hoje, vivo somente com meu marido. Portanto, eu procuro ter esse vínculo também com amigos, pois esses momentos são muito importantes para a saúde”, compartilha a voluntária.

Assim como o voluntariado, a superação faz parte da história de Daysi. Em 2010, ela ficou internada na UTI de um hospital de Curitiba devido a um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e, de acordo com  a equipe de saúde, dizia com frequência: “Preciso ir ao hospital, preciso ir ao hospital”. Os profissionais que a acompanhavam tentavam acalmá-la, respondendo: “A senhora já está no hospital, pode ficar tranquila”. Entretanto, Dayzi rebatia: “Não, preciso ir para o Hospital Cajuru, tenho que trabalhar”, recorda a voluntária, reforçando o que o voluntariado representa na vida dela.

Coração dos hospitais

Luciano José Simioni, de 44 anos, também trabalha nos hospitais que fazem parte da frente de saúde do Grupo Marista. Ele se dedica há 15 anos ao trabalho voluntário. Luciano teve seu primeiro contato com o Hospital Universitário Cajuru em 2002, quando era paciente. Ele sofreu um grave acidente de trabalho enquanto atuava como maquinista. A locomotiva em que estava capotou, resultou em fraturas na 6.ª e na 7.ª vértebras, além de uma secção parcial de medula. Naquela época, o diagnóstico indicava paralisia do tronco e dos membros inferiores. Após sessões de fisioterapia e terapias complementares,  recuperou os movimentos e agora caminha com tranquilidade. 

Enquanto ainda estava em processo de recuperação, Luciano frequentava consultas habituais no Hospital Universitário Cajuru. Durante uma das visitas, deparou-se com um cartaz que convidava para o trabalho voluntário. A partir desse momento, Luciano deu início a um novo projeto de vida. “Comentei com a minha esposa e, alguns dias depois, estava no hospital me inscrevendo. É um trabalho que não tem preço. Ouvir as pessoas agradecendo é algo especial. Talvez elas nem se lembrem do meu nome, mas naquele instante, fiz a diferença, pude inspirar algo. Fico muito feliz, pois Deus me deu a oportunidade, concedeu-me tempo pra que eu possa  impactar positivamente a vida de algum irmão meu. Fazemos isso de forma gratuita, mas quem recebe o pagamento somos nós”, reflete Luciano. 

A coordenadora do voluntariado dos hospitais, Nilza Brenny, fala com orgulho sobre sua equipe de voluntários. Ela lidera o projeto desde o início e contempla com gratidão tudo que foi possível vivenciar. “Comecei com um ou dois voluntários. Hoje somos quase 400. Atuamos com um olhar mais humanizado, procurando compreender a perspectiva do outro. Sinto como se fôssemos parte integrante do coração dos hospitais”, conclui Nilza.

Felipe Lunardi  – Central Press

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*