Um diálogo com a obra de Katia Velo por João Coviello
Katia Velo não transita entre a pintura figurativa e a abstrata por acaso. Nem passa por várias técnicas, como a fotografia, também por acaso. Há uma vontade artística explicita que a faz superar os limites dos suportes, com o objetivo de satisfazer suas necessidades de expressão, que já foi definida, pela própria artista, como catarse, no sentido clássico. A palavra grega catharsis significa purificação ou purgação. Aristóteles a usou para explicar o efeito que a tragédia provocava no espectador. Freud a usou, no início da psicanálise, para definir a libertação dos afetos reprimidos. Para ambos, porém, a catarse representa um caminho. A tragédia, para Aristóteles, possibilita a purificação das paixões. Para o jovem Freud, a psicanálise possibilita que os sentimentos represados encontrem um caminho para a descarga por vias normais. A arte, neste sentido, tem para Katia Velo um sentido tanto de purgação (uma ocasião para exprimir algo), quanto de purificação (uma ocasião para eliminar as impurezas). Os sentidos, obviamente, são idênticos. A arte é o caminho que escolheu para, segundo suas palavras, expressar seus sentimentos. No entanto, apenas o caminho catártico não basta para essa artista preocupada também com aspectos práticos e técnicos de sua obra. Assim, a forma que escolheu para se expressar, mesmo sendo subjetiva, pretende também alcançar um sentido universal. Estas são suas palavras. Preocupada, então, com o rigor técnico de sua arte, Katia Velo é uma pesquisadora incansável. Por um lado, há suas preocupações catárticas, por outro, há a artista que dá o título de “Kandinsky” há um de seus trabalhos. É clara a referência a um dos pioneiros da arte abstrata. Nesse caso, sua obra torna-se gestual, quando é possível ver o fazer artístico, os gestos, as pinceladas, momento no qual o corpo da artista torna-se quase explícito. No entanto, Katia Velo passa também pela figura, que nesse caso, tem como precedente o respeito ao homem, àquele que sente, age e constrói o mundo. Por isso suas figuras têm linhas fortes, pois parecem querer marcar os traços das personagens. Mesmo afirmando que sua principal característica é a busca do prazer estético, no sentido de provocar sensações no espectador e na própria artista, e que não pretende um engajamento vanguardista, sua obra é marcada por uma intensa busca de precisão técnica. Liberdade e apuro técnico convivem bem em seus trabalhos. Esta é a principal razão das experiências com vários tipos de suportes, com várias técnicas, e, principalmente, com as várias formas de trabalhar a matéria e o motivo. Vale repetir: a artista não se acomoda num tipo de expressão. Sua dedicação é percebida tanto na figura quanto na abstração, ou mesmo nas formas que procura para desenvolver suas novas linhas de pesquisa (os arabescos, por exemplo). Este termo [pesquisa] não aparece por acaso. Katia Velo pesquisa materiais e novas linguagens. Por mais legítimo que seja a busca pelo prazer estético, na artista há um processo de criação que ultrapassa a experiência estética como mera sensação. Ou seja, em sua obra é possível perceber um percurso intelectual que resulta num conjunto de trabalhos com preocupações diferentes, mas com uma unidade na qual fica claro sua caligrafia, presente em todos seus trabalhos, mesmo nos mais diferentes. Essa caligrafia é fruto de um talento, sem dúvida, mas também de uma artista que sempre analisou as características dos mestres que aprecia. Por isso Katia Velo é também uma espectadora sofisticada, que roda o mundo atrás de exposições motivadoras. Seu olhar é agudo. Isto serve tanto para olhar o mundo, a arte ou a si mesma. Isto a torna capaz, por exemplo, de introduzir detalhes artdéco em seus trabalhos, assim como a torna capaz de fazer referências a diversos artistas. Essa capacidade de pesquisar se equilibra com o objetivo da artista de criar um mundo mais organizado, rico, e, no fundo, mais belo. Intuição, beleza e pesquisa, se misturam na obra de Katia Velo. * João CovielloJoão Coviello é Mestre em Filosofia e Especialista em História da Arte pela PUC-PR. Em seu verbete no Dicionário das Artes Plásticas no Paraná, assim escreveu Adalice Araújo: Pintor, desenhista e teórico. Paisagista, não obstante sua profunda cultura sobre Arte Contemporânea, ele assim justifica sua opção: “O tema ‘paisagem’ é uma possibilidade de se retratar um motivo em sua totalidade. Não como cenário, mas como algo que não se evidencia, e, com um respeito total pelas coisas, eis a ética do olhar”. Na obra de Coviello a cor é de importância vital, desde que “enquanto transparência”, como afirma. Ele diz preferir as manchas, razão pela qual se utiliza da acrílica diluída em água sobre tela e a aquarela. “Gosto do acaso, de ver o resultado da quantidade de água, de tinta, do tipo de trama da tela ou do papel”. Seu processo de criação desenvolve-se a partir de textos literários, elementos plásticos, experiências vividas e imagens do cotidiano. “Todo trabalho nasce da dúvida: como alguns artistas, principalmente os orientais, conseguem tanto com tão pouco?”. Como teórico da Arte, João Coviello produz textos de apresentação – com grande poder de análise – para Paulo Carapunarlo, Malah e Marlon de Azambuja, entre outros. (In Araújo, Adalice. Dicionário das artes plásticas no Paraná. Curitiba: Edição do Autor, 2006, p.721) Fonte informações de João Coviello: www.arteparanaense.art.br/joao.htlm
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