SESSÃO CONTRAMÃO
137ª sessão do CONTRAMÃO exibe ABRE LOS OJOS
TEXTO sobre o filme ABRE LOS OJOS, por Ruy Gardnier
Assistir a um “remake americano” de filmes inventivos feitos no outro lado do Atlântico é uma boa maneira de conhecer o processo de feitura de roteiros e “projetos de filmes” hollywoodianos (há muito tempo que os filmes são muito mais do que simples filmes em se tratando de Hollywood e do multimilionário mercado mundial que ela cobre). Um filme é uma marca, ou melhor, um apanhado de marcas que se transforma numa macromarca. Vejamos: Tom Cruise, romance entre estrelas, Cameron Diaz, história moderninha onde a realidade não é o que parece ser (aliás, depois de Clube da Luta, Matrix, Amnésia e o recente Uma Mente Brilhante, esse mecanismo já passou a ter valor de clichê). E grandes projetos lidando com grandes marcas como essas obviamente têm certas restrições, que é muito interessante observar (é claro que existem diretores que conseguem subvertê-las, mas em se tratando de Cameron Crowe jamais será o caso; e, em todo caso, é outra história).
Pois bem: analisar um filme comparando-o com outro quase nunca é um bom instrumento, mas em Vanilla Sky beira a perfeição. Em Abre los Ojos, o protagonista engana o amigo fiel e trata as mulheres como gado, sem fazer questão de ser minimamente simpático. Mas Tom Cruise não cairia no golpe de Eyes Wide Shut pela segunda vez: em Vanilla Sky, ele até age contra o amigo e contra a quase-namorada que é Cameron Diaz, mas em contrapartida o amigo pode se revelar um canalha e a sua “amiga sexual” uma psicopata de marca maior. O filme de Cameron Crowe bebe muito no original de Alejandro Amenábar, só realizando algumas alterações minúsculas (mas decisivas na chave de compreensão do filme) na narrativa. Um dado aparentemente incompreensível é o aumento de foco numa possível conspiração que os outros acionistas da empresa de Cruise possam ter iniciado, enlouquecendo o pobre empresário.
Mas isso tudo seria meramente eventual caso o poço profundo que existe entre o original espanhol e a filial americana não residisse na direção e no tom dado ao filme. Alejandro Amenáber é um cineasta talentoso, que tem um gosto ímpar no cinema contemporâneo para criar timings e, acima de tudo, tem o gosto pela simplicidade elegante. Em Cameron Crowe, que maior diferença pode haver! Em Vanilla Sky os grafismos abundam, eternamente desnecessários, como desnecessária é a introdução do filme em plena Times Square. Parece que nem por um instante diretor e ator-produtor quiseram fazer um filme sobre a confusão mental de uma pessoa que não sabe se vive a realidade ou num sonho montado por outros. Ou até quiseram, mas nem tanto: o sofrimento de Tom Cruise é ambientado com “Good Vibrations” dos Beach Boys (claro, porque a “marca” de Cameron Crowe é a música pop… questão de griffe) ou simplesmente relativizado quando seu personagem quer se mostrar para o psiquiatra que vem visitá-lo, equilibrando-se numa mesa e relatando seu passado. É engraçado que o personagem de Cruise use uma máscara, pois trata-se de uma metáfora evidente: Vanilla Sky, à maneira como se fala dos jogadores de futebol, é um filme mascarado, que quer produzir mais frisson do que pode.
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