O pintor e artista multimídia, Dalton Paula abre sua casa ateliê para Casa Vogue
Em Goiânia, Dalton faz de sua casa ateliê uma espécie de quilombo contemporâneo - um local de encontros, aprendizado e difusão da cultura negra
À beira da estrada seca, dois portões azul-cobalto rodeados por vegetação chamam a atenção de quem passa. Logo atrás, uma palmeira exuberante flanqueia uma construção verde de 150 m², marcada pela imponente porta de madeira maciça. Ali, no recém-urbanizado bairro goiano de Shangry-Lá, o terreno antes tomado por mato tornou-se um refúgio de cultura: o Sertão Negro, ateliê e escola de artes fundado pelo pintor e artista multimídia brasiliense Dalton Paula – destaque em Casa Vogue de setembro, edição toda dedicada à arte.
Canteiros de plantas de cura – medicinal e espiritual – promovem a limpeza energética daqueles que adentram esse quilombo contemporâneo. Ao lado da área edificada, bandeirinhas de festa junina são vestígios recentes de um dos tantos encontros promovidos no local. No espaço de refeições ao ar livre, o anfitrião oferece às visitas pamonhas típicas da região, que ele gosta de buscar pessoalmente na lanchonete do bairro. Os momentos de partilha em torno da comida são muito valorizados no Sertão Negro. “A ideia é se deslocar do mundo lá fora, para conversar sobre nós, divertir, confraternizar, estar junto. Um lugar onde as pessoas possam se sentir bem, confortáveis”, explica.
Mais adiante, uma choupana circular serve de palco para as atividades do ateliê-escola, um centro cultural para diversas manifestações: rodas de capoeira de Angola (o estilo original praticado pelos escravizados), performances e festividades populares. Lá também acontece o cineclube Maria Grampinho (homenagem à figura popular do folclore goiano), que projeta filmes dirigidos e estrelados por pessoas negras. A trilha sonora cabe ao canto dos pássaros, ao som do vento entre a copa das árvores e à água que cai no lago repleto de peixes.
CÍRCULO VIRTUOSO
Assinado pela artista e arquiteta baiana Eneida Sanches, o projeto do ateliê – que, desde o término da obra, cerca de um ano atrás, também é a morada de Dalton e sua companheira, Ceiça Ferreira – segue princípios sustentáveis. No subsolo, dois reservatórios coletam água de chuva, há um filtro para reaproveitar o fluxo descartado nas pias, nos chuveiros e na máquina de lavar, e o esgoto destina-se a uma bacia de evapotranspiração (sistema enterrado no qual os resíduos transformam-se em nutrientes para plantas). O jardim, adubado com compostagem, completa o ciclo, devolvendo a água limpa para a atmosfera. A edificação não só se mantém em harmonia com seu entorno como se deixa preencher por ele. Através das amplas janelas laterais e claraboias no teto, a luz natural inunda o átrio de pé direito duplo onde Dalton cria ao lado de sete residentes. “Todo dia tem uma novidade. Uma flor, um broto, uma formiga que cortou a folha, um gafanhoto, uma lagarta. Fico super curioso para ver as arvorezinhas com 3, 4, 5 anos”, confessa ele, um jardineiro apaixonado.
No momento, o local comporta parte do trabalho destinado a exposições em duas das principais instituições da capital paulista: o Masp e a Pinacoteca de São Paulo. Na primeira, até o final de outubro, está em cartaz a mostra individual Retratos Brasileiros, com uma série que representa personalidades históricas negras das quais não restaram registros fotográficos ou pictóricos. Marcadas pelos fundos azulados, que remetem à tradição da fotopintura, e pelos cabelos de folha de ouro, alusão à realeza, as figuras ganham contornos ficcionais, realizados por Dalton por meio de uma pesquisa minuciosa: “Eu me sinto quase um arqueólogo”, admite. Como contraponto, o branco, ou a ausência de cor, se impõe na instalação em curso para a ocupação do Octógono da Pinacoteca, a ser inaugurada no início de outubro.
Ao redor, dispostas nas paredes, criações dos residentes estabelecem diálogos inesperados com sua produção. “Quando curadores vêm aqui, eles veem minhas obras desse jeito. Eu sou essa pessoa que está com outras agora.” O acompanhamento dos residentes (e também de artistas e estudantes que aparecem esporadicamente) acontece de segunda a sexta-feira, em horário comercial, período em que o portão fica aberto aos transeuntes. Além do curso de cerâmica já na grade, para o próximo ano, a escola ambiciona instituir cadeiras de pintura e de gravura. “O espaço tem propósito formativo, e é interessante que isso ocorra num ambiente não convencional”, reflete.
Recém-inaugurado, o Sertão Negro materializa um sonho de Dalton, que já está de olho no próximo: a implantação de uma floresta, da qual pretende tirar tanto o sustento alimentar como o profissional, com uma oficina de marcenaria. “Você está vendo aí um laboratório desse outro sonho”, revela, enquanto acena para as mudinhas de plantas.
A matéria completa sobre o visionário Sertão Negro, ateliê-escola e centro cultural em Goiânia, pode ser conferida na edição de setembro de Casa Vogue, disponível nas bancas de todo o país.
Sobre a Casa Vogue
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Por Suellen de Andrade / a4&holofote comunicação
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