O novo decreto sobre cidadania italiana: exclusão, retroatividade e um grave retrocesso jurídico

Por Mariane Baroni

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Um decreto que desafia a Constituição, o direito europeu e os tratados internacionais

O novo decreto viola diversos princípios constitucionais, como a igualdade (art. 3), o direito à cidadania (art. 22), à identidade pessoal (art. 2), à tutela dos menores (art. 30) e à boa administração pública (art. 97). Mas os vícios não param aí.
 

Em plano internacional, fere a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDU), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e o art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
 

Para a Corte de Justiça da União Europeia (caso Rottmann, C-135/08), a cidadania nacional, que confere automaticamente a cidadania europeia, não pode ser retirada ou negada sem respeito ao princípio da proporcionalidade e ao direito à confiança legítima. A jurisprudência europeia, inclusive, admite que medidas que gerem a perda ou negação da cidadania devem passar por análise de compatibilidade com o direito europeu — o que abre margem para questionamento judicial em tribunais internacionais.
 

Memória apagada, herança negada

A medida também fere profundamente o espírito da Constituição italiana ao ignorar a contribuição histórica dos italianos no exterior, especialmente na América Latina. Famílias que por gerações preservaram cultura, idioma e identidade são agora excluídas sob argumento burocrático. A lógica é perversa: o Estado, que por décadas silenciou frente à lentidão e ineficiência de seus consulados, agora pune os descendentes por uma inércia que ele mesmo criou.
 

O Judiciário como guardião da cidadania

Em face de tudo isso, cabe ao Judiciário cumprir seu papel de guardião dos direitos fundamentais. A via judicial permanece, hoje, como o único instrumento eficaz para garantir o reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis, diante da falência do sistema consular e da tentativa legislativa de restrição retroativa.
 A esperança reside na reafirmação dos princípios que estruturam o Estado de Direito, entre eles a não discriminação, a segurança jurídica e a irretroatividade das leis. O futuro da cidadania italiana depende, agora, da resistência jurídica frente às distorções de um decreto que pretende apagar uma herança histórica legítima. 

Lucas Orte de Faria

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