ENTREVISTA DE KATIA VELO A DAIANE ROSA
Matéria publicada em site anterior – 02/08/2009
http://www.guiasjp.com/opcoes.php?option=591&id_noticia=42559&id_canal=49
A seguir, matéria produzida a partir de entrevista de Katia Velo concedida a Daiane Rosa, estudante do curso de jornalismo da UniBrasil. Atualmente, Daiane está no 6º período (3º ano), mas na ocasião da reportagem estava no 5º período (3º ano). A matéria foi produzida para a disciplina de Seminários (Jornalismo Cultural) com a orientação do professor Paulo Camargo (editor chefe do jornal Gazeta do Povo).
A MENINA DA CAIXA COM 24 CORES
Daiane Rosa
Na cidade de São Paulo uma garotinha chamada Katia Godoi Velo nem sonhava em ser artista. O sonho dela era outro: ela queria ter uma caixa de lápis com 24 cores. Quando ela via uma, era como se visse 24 barras de ouro. Era inacreditável para Katia, que teve uma caixa com seis e depois uma com 12, que existissem tantas cores para formar uma caixinha com 24 lápis diferentes. Imagina se ela descobrisse que naquela época já existiam caixas com 36 cores.
A paulistana cresceu e se tornou professora de Português e de Literatura. Lecionou até os 36 anos, idade em que se mudou para São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Com essa mudança, ela alterou mais do que apenas o endereço. A professora, que sonhou com uma caixa de 24 cores, começa a sonhar em se tornar artista plástica.
Hoje, seis anos depois, além de ser artista plástica, Katia (42) é diretora de comunicação da APAP/PR – Associação Profissional dos Artistas Plásticos do Paraná, esposa de Itamar e mãe da Gabriele (11). Ela também escreve para colunas de arte nos sites Guia SJP, Inconfidencial, Arte Paranaense e no jornal impresso Correio de Notícias.
O bate papo a seguir aconteceu no final de uma tarde fria, na praça de alimentação do Shopping São José, que fica próximo à casa de Katia. Nos encontramos no local combinado e iniciamos a conversa em um espaço tranquilo, com poucas pessoas ao redor, ao som de música ambiente.
Com aparência e espírito jovem, a artista plástica me cumprimenta com um sorriso no rosto e com três exemplares, nas mãos, do jornal impresso para qual escreve uma coluna semanalmente. Agradeci e liguei o gravador.
Frases de destaque: “Para mim artistas eram os que estavam mortos”
“…você não pede nem para a manicure fazer a unha de graça porque ela usa o esmalte que custa um real e pouco, então porque você acha que o artista tem que doar a tela?”
“…mas ninguém queria saber de nada disso [conhecimento teórico]. Todo mundo queria era pintar uma tela para combinar com o sofá”
Daiane Rosa – As pessoas que estudam a história da arte sempre tentam entender o que o artista quis dizer com a obra. Nos seus trabalhos existe uma mensagem que você deseja transmitir para o observador?
Katia Velo – Todo mundo tem uma necessidade de explicar tudo e colocar tudo dentro de caixinhas. E o artista justamente extrapola isso. Nem sempre ele quer falar ou justificar alguma coisa. É lógico que você tem vontade de colocar seu sentimento para fora. Mas, às vezes, o artista expressa alguma coisa. Quem vê vai entender de outra forma. Então, eu diria que é sempre uma obra aberta. Eu trabalho muito com uma releitura da Art Deco, expresso muito as cores e a feminilidade. Então a arte contemporânea é uma coisa que não cabe num rótulo. Mas insistimos em colocar, porque senão ficamos perdidos. Mas, na verdade, às vezes, o artista quer isso mesmo. Não tem essa necessidade de chegar a algum lugar, o que importa é a trajetória, o processo.
DR – É notável a variedade de cores fortes e vibrantes utilizadas nas suas pinturas. Por que você gosta tanto delas?
KV – Eu tenho uma personalidade extremamente agitada. Eu sempre fui fascinada por cores, elas me atraem muito. Não para me vestir ou para pintar minha casa, mas na obra de arte. Eu pinto em casa e, quando eu vejo, estou até pisando em cima das tintas porque, como a gente costuma brincar em arte, eu começo a entrar numa espécie de um transe, de tanto ficar envolvida com o trabalho.
DR – Além de pintar, você também fotografa e procura registrar detalhes, brincar com reflexos, sombras e luzes. Existe diferença entre o seu trabalho fotográfico e a pintura?
KV – A minha pintura é bem diferente da minha fotografia. A pintura para mim é como se fosse um parto fórceps, tem aquela dificuldade, aquela gestação. A minha tela é grossa de tinta porque eu pinto, guardo por um tempo e depois volto a pintar de novo. Já a fotografia é um filho adotivo. Eu não procuro a fotografia: é ela que me encontra. É totalmente ao contrário da pintura. É sempre muito fluída, limpa, clara. E uma coisa que me surpreende muito até hoje é que eu consegui mais espaços em salões de arte com fotografia do que com pintura. Embora o meu foco seja a pintura, que eu gosto demais.
DR – Você é formada em Letras e por muito tempo lecionou como professora. Recentemente, você também começou a dar aulas de artes plásticas. Como foi essa experiência?
KV – Eu sempre gostei muito de ensinar. Desde pequena, eu ficava brincando de dar aula para as bonecas. Mas confesso que, nas aulas de pintura, eu sofri muito. A minha primeira turma praticamente me expulsou. Na verdade não me expulsaram, mas também não me contrataram de novo. Porque eu tinha aquela ideia romântica de fazer apostila e passar tudo que ainda estava fresquinho na minha cabeça da Pós-Graduação. Mas ninguém queria saber de nada disso. Todo mundo queria era pintar uma tela para combinar com o sofá. Mas eu me divertia muito. Um dia um aluno chegou ao primeiro dia de aula com uma tela enorme, dizendo que ia pintar a Santa Ceia. Daí eu olhei para ele e disse que nem com milagre ele ia conseguir! Mas é claro que também tinha alguns alunos que se destacavam e, hoje em dia, estão estudando na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
DR – Quais artistas influenciam o seu trabalho?
KV – Eu me inspiro muito nos trabalhos da artista brasileira Beatriz Milhazes. Eu flerto com o trabalho dela há mais ou menos cinco anos. A influência de Beatriz no meu trabalho está na feminilidade, que é uma característica que eu gosto bastante. Eu também gosto muito do artista russo Kandinsky, do francês Gauguin e do norte-americano Jackson Pollock. Deste último, eu me identifico com a espontaneidade em produzir e da entrega ao trabalho, embora os nossos trabalhos sejam totalmente diferentes.
DR – Para você escrever é unir duas paixões que são a arte e a escrita. Você considera a escrita uma arte? Por quê?
KV – Escrever é uma arte porque é uma forma de tratar um mesmo assunto de diferentes formas. Você pode atingir e sensibilizar as pessoas. Eu gosto muito de escrever. E escrevo e pinto, mais para mim mesma, sem falsa modéstia. Porque se você começa a pintar, ou a escrever, o que os outros querem não dá certo.
DR – A arte que você produz revela a sua personalidade?
KV – Eu acho que, tanto nas minhas pinturas como na fotografia, está escancarado quem eu sou. Agora estou em outra fase, estou fazendo um trabalho chamado “Adornos”, que são colares e que também tem um flerte com o nome do filósofo alemão Theodor Adorno. E eu achei que tinha mudado tudo e daí meus colegas foram na exposição e eu perguntei toda feliz, “Vocês viram como eu mudei?” E eles responderam que não, que ainda dava para ver muito de mim. Fiquei decepcionada. Mas, por um lado, é bom, porque o artista tem de deixar sua marca. Para se ter uma idéia, eu assino o trabalho na parte de atrás da tela. Primeiro porque eu uso muita cor, muita tinta; e, por isso, não dá nem para enxergar. Depois, porque a pessoa tem que olhar no meu trabalho e dizer essa obra é da Katia Velo. Esse é meu objetivo.
DR – Na sua infância, você disse que nem pensava em ser artista, você acredita que isso se deva a falta de incentivo? Atualmente este cenário mudou?
KV – Na minha época, embora eu seja jovem, aula de educação artística era artesanato. Para mim, artistas eram os que estavam mortos. Hoje mudou bastante, mais ainda tem muito que mudar. Quando eu vou para a Europa ou mesmo para a Argentina, eu vejo outra realidade. Porque aqui é assim, todo mundo quer de presente. Mas eu falo assim, você não pede nem para a manicure fazer a unha de graça, porque ela usa o esmalte, que custa um real e pouco. Então, por que você acha que o artista tem que doar a tela? Eu falo desse jeito para ver se dá uma mexida. Então, o Brasil ainda está muito distante, há uma desvalorização muito grande.
DR – O projeto de lei de incentivo a cultura que você apresentou em 2005 para a cidade de São José dos Pinhais foi aprovado?
KV – Ainda não. Na época eu passei dois meses pesquisando vários projetos para conseguir formular um para a cidade. Corri atrás de um monte de gente, mas até agora não tive retorno nenhum. Neste projeto, um dos principais pilares é criar uma Fundação Cultural em São José. Pois, veja bem, aqui deveria ter um grande teatro, um grande museu e essa fundação teria força para conseguir apoio. Porque aqui não tem quase nada. E o que existe ainda são coisas muito tímidas.
DR – Você acredita que os são-joseenses ainda não estão habituados a lidar com a arte pela falta de incentivo e de estrutura?
KV – Completamente. Eu adoro São José e escolhi esta cidade para morar. Mas, infelizmente, a cidade ainda não tem maturidade necessária por medo. Os artistas têm medo de que o lugar deles seja tomado por outra pessoa. Na verdade, eu participo mais em Curitiba porque me convidam para participar lá. Aqui em São José os artistas são mais individualistas e falta amadurecimento.
DR – A Indústria Cultural é criticada pela banalização que ela traria para a arte. Algumas de suas obras estão disponíveis na internet. Levando isso em consideração, você classifica os meios de comunicação de massa como democratizadores ou banalizadores da arte?
KV – Como qualquer tipo de veículo de massa sempre acaba banalizando e simplificando um pouco. Mesmo no meu site, eu, às vezes, coloco coisas que eu não colocaria, mas coloco porque senão as pessoas falam que eu sou muito elitista. Mas esse é um caminho. Como que a gente vai falar que não vai usar a internet ou não vai assistir à televisão? É um caminho que cabe a cada um de nós utilizarmos da melhor forma possível. É uma questão de escolha. Eu, por exemplo, adoro colocar meus trabalhos na internet.
DR – Um dos seus sonhos é fundar uma ONG ou algo similar para ajudar pessoas carentes através da arte. Você já conseguiu realizar este projeto?
KV – Na verdade, eu acho que a arte é transformadora. Não há caminho melhor para sensibilizar e resgatar a autoestima. Mas tem de ser um projeto grande. Não se pode pensar que, para pobre, qualquer coisa está bom. Não pode ser assim. Tem que ser coisa de qualidade, primeira linha. Não adianta ficar fazendo coisa pequenininha, mal organizada só para dizer que está fazendo. Por isso este é um projeto para o futuro.
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