E os resultados do Enem dizem (de novo) que a escola no Brasil não funciona. Ou dizem outra coisa?
Daniel Medeiros*
O Inep divulgou as notas do Enem por escolas e descobrimos, mais uma vez, que uma parte vai mal e a outra parte vai muito mal. Escapam shoppings escolares de bem estar econômico e social, institutos federais e colégios militares, colégios de aplicação e algumas ilhas perdidas no mar de escolas estaduais.
Mas o que isso significa? As escolas não estão ensinando, os alunos não estão aprendendo ou – pior dos mundos – as duas coisas? E se for, o que há por fazer? Algo urgente, sem dúvida. Creio que o mais urgente e necessário é ensinar os professores a ensinar e aos alunos a aprender, não?
E como começar a fazer isso? Pelo começo, penso. Vou tentar estabelecer uma linha de raciocínio: primeiro, define-se um currículo mínimo. Já há. O do próprio Enem serve. Em cada área, delineia-se uma base comum de aprendizado. Depois, divide-se esse mínimo em aulas, com objetivos claros e definidos para cada uma delas, com começo e fim, com abertura, desenvolvimento, atividades , síntese e encerramento. Essa parte, de preparação, é fundamental. Aula deve ser preparada aula por aula. Compromisso não é de “dar aula”, mas o de dar “aquela” aula!
Cria-se cursos de formação de professores, com o intuito de fazê-los dar essas aulas com excelência, com eficácia. Curso de como dar aula. Trocam-se ideias, experiências. Não com palestras de auto-ajuda ou similares. Com treinamento focado em excelência de aulas. Como iniciar, como fazer as conexões, como desafiar o aluno, como interagir com ele, como estimula-lo a fazer perguntas pertinentes e consequentes, como manter a atenção, como relacionar com conteúdos afins, como aplicar as atividades, como estabelecer ganchos com as próximas aulas. O aluno tem direito de aprender assim. E é assim que todos os professores deveriam proceder.
Paralelamente cria-se, nas escolas, grupos multifocais para levantar dados sobre o entorno da escola, as características sócio econômicas das famílias, as condições de saúde dos jovens, os ambientes de estudo. O próprio Inep dispõe de muitos desses dados, usados pela primeira vez este ano. Isso é fundamental para saber o ritmo e o cuidado de como trabalhar com os alunos. Isso é fundamental para saber quais temas podem atrair a atenção deles e como mobiliza-los com mais qualidade e eficácia. Isso é fundamental para saber o que exigir deles e como poder contar com o resultado disso.
Então inicia-se o trabalho com as aulas. Ao fim de períodos curtos, avalia-se o aprendizado. O aluno tem de mostrar se está aprendendo. Se não está, é preciso descobrir a razão. Descobrindo a razão, cria-se grupos de reforço para corrigir as dificuldades e grupos de avançados, para estimular o crescimento. Faz-se com que os avançados, em algum momento, ajudem os com dificuldade, para instilar espírito de grupo e senso de comunidade. Há um objetivo: o aprendizado. E um responsável por isso: todos os participantes da comunidade escolar.
Deve-se ouvir os alunos. O tempo todo. Estabelece-se ouvidorias. Faz-se encontros com equipe. Define-se metas e desafios. Atende-se as dificuldades com intensidade, sem julgamentos de valor ou desistências oportunistas, mas com a determinação de que a escola deve melhorar – e não uma pequena parcela de seus alunos.
Escreve-se. Tudo. Muito. Faz-se diário da trajetória. Plano de carreira. De vida. Grupos de debates sobre temas contemporâneos. Resumos das notícias da semana. Se possível, faz-se uma rádio da escola, com alto falante na quadra. Criam-se festivais e concursos. De redação. De matemática. Ciências. Humanidades. Isto é o começo.
O Inep divulgou as notas do Enem e os resultados, em geral (e nas particulares também) é muito ruim. Mas há resultados bons e alguns excelentes. O que se deve fazer é fazer o que se deve. Essa é a melhor notícia da divulgação das notas pelo Inep. Não há mais desculpas. Há muito trabalho pela frente.
* Daniel Medeiros é professor de História no Curso Positivo.
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