“Arquipélago dos Lugares Imaginários” de Laura Gorski
Laura Gorski?
“Arquipélago dos Lugares Imaginários”?
Abertura: 16 de março de 2013, das 12h às 18h?
Estúdio Buck
Invenção das paisagens
Nessa terra alta não há como pôr à prova o caminhar. Não há trilhas, nem clareiras, nem tampouco sendeiros que lhe escapem escondidos. Suspensa, não é possível invadi-la, pisar, fincar bandeira. Ainda que os pés solicitem o chão embaixo das solas, sua posse é indeclarável. Limites não foram traçados, assim, não há mapas. Foram apagados o norte, as direções, todos os pontos de orientação. O vento é o único estrangeiro. É por isso que o lugar existe, mesmo que apenas como uma metáfora para o incalculável. Há uma forma de tempo: descontínuo, entre tréguas longas, esticadas ecoando em breves sobressaltos. Das tentativas de sorvê-la: uma espécie de abismo temporal entre o esquecimento e a dúvida. Descreve-se sua topografia como uma ilusão demolida ou um desejo em silêncio. É só vento, é tudo coisa vã em movimento frívolo. A terra alta é para onde se elevam os olhos sem poder chegar.
Ainda que vasta, a floresta tem medidas: árvore, pedra, punhado de terra e gota d’água. Uma capa pesada do céu, quando este aparecia, plasmava acima da floresta, até que desabou das alturas: branca e amorfa. Forçosamente abrigou-se apesar da resistência dos lagos, depressões, aclives. A vista em mergulho tornou-se rasa, brecada – uma parede. Não lhe restaram fendas. Uma refração pálida agarrou-se ali tal como uma poeira antiga – testemunha muda e inerte, apenas ocupando o que não era seu. E inundará a floresta, tão logo o sol toque o topo das montanhas. Enquanto isso, o que se conformou foi um relevo interrompido de brancos pois um anacronismo artificial sugou-lhe todo o verde. Ele agora cabe evaporado em um livro.
Nesta latitude, não há mudança de estação. Tudo que está ali tem uma relação de ser com o lugar, embora impermanente. As andanças em suas planícies contrastantes são intermináveis, parecem deslizantes. Seus caminhos afastam-se entre si e enlarguecem propositadamente para desencadear vertigens: quanto mais se anda, mais se anda. Avistam-se formas decepadas, como se dedos gigantes houvessem lhes retirado a estabilidade da forma geometrizada – a sua origem contida. Porões recobertos, abismos, pequenas cavernas, ondulações, planos abruptos, curvas íngrimes, retas angulosas… O tempo talhou desgastes nessas paisagens: lhes sobraram veios e um horizonte. Errante e movediço, vibra com o deslocamento.
Dos procedimentos de invenção
São paisagens inventadas o que Laura Gorski fabula em “Arquipélago dos lugares imaginários”. Uma suspensão das dimensões (profundidade, largura, altura e tempo), que afivelam o espaço ao conhecimento humano, e o transcorrer de um tempo outro, nessas paisagens, possibilitam que se explore com o corpo a provisoriedade de não estar aqui.
Habita esses lugares uma sensação de não pertencimento geográfico. Mapas e ilustrações fictícios enriquecem seus tópicos espaciais. É como estar em presença de uma cultura avessa. Tende-se a imaginar os modos de vida, as palavras e mesmo os trajetos para se chegar até lá. Mas a realidade é distinta, pois há imprevistos que desestruturam as propriedades antes intuídas. Laura Gorski aciona esses procedimentos de ver: o artifício da paisagem é ao mesmo tempo passível de conhecer e perturbador em suas aparições pictóricas e mesmo literárias. A paisagem dá-se como uma fricção de muitas certezas: visíveis, ausentes, imaginárias, reais.
Nessa múltipla condição, a artista atua instituindo brechas por entre as categorias artísticas, ao que o crítico Raymond Bellour definiu como “passagens, corolários que cruzam sem recobrir inteiramente os universais da imagem”. Os processos de Laura Gorski territorializam-se entre os recursos de desenho, vídeo e literatura, entre a linguagem escultural, os ambientes instalativos, a pintura, numa hibridização de poéticas com configurações que não se querem definitivas. Por contrastes e oscilações entre as práticas artísticas, Laura conjuga noções de paisagem – ou o que se pode entender como uma construção proveniente de uma técnica, de um olhar – formulando características de um lugar/espaço, para então abarcá-los e torná-los visibilidade ao desfrute.
A paisagem como invenção
Em “Lufadas de tempo” (2012), a artista registra em ritmo desacelerado o embate (ou fluxo) quase pausado entre uma montanha e a névoa que lhe cobre e desvela. O vídeo testemunha esse movimento lento como o único índice que aponta para o passar do tempo na paisagem. “Interstício” (2012/2013) é um livro desfolhado, suas páginas migraram para as paredes e a sequência visual se dá com o deslocamento no espaço expositivo. A artista apropriou-se das fotografias do Parque Nacional Šumava, situado na República Tcheca, com intervenções com guache em cor branca e, assim, redesenhou suas paisagens. Sete telas de horizontes cambiantes ocorrem na instalação “Paisagem provisória” (2013). A artista reestrutura o espaço da galeria, ocupando-o com elementos de uma arquitetura alegórica, conformando outras escalas entre corpo e paisagens. São linhas que formulam essas “esculturas-desenho”. Ao que parece, Laura é como o colecionador de areia, descrito por Italo Calvino: viaja, recolhe um tanto dos lugares que explora, para no retorno apresentar sua coleção de grãos: paisagens de origem insondável, geografias que carrega consigo, com suas granulosidades e instabilidades perceptíveis. Para estar diante delas, é preciso resistir a ausência de fins, aos arremates de histórias, aos horizontes que não levam a lugar algum.
Galciani Neves
Estúdio Buck
Itaim: Rua Lopes Amaral, 123, tel. (11) 3846 4028 e 3044 4575.?Seg. a sex., das 11h/18h; Sáb., das 11h/14h. www.estudiobuck.com.br
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