Novo álbum da série ‘A Música do Brasil’ com Osesp e solistas | Francisco Mignone

Isabella Matheus
Capa do álbum Concertos and Concertinos

Está disponível em todas as plataformas digitais, a partir de 26 de julho, o novo lançamento da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp pela série A Música do Brasil, que faz parte do projeto Brasil em Concerto, uma parceria do Instituto Guimarães Rosa, órgão de cultura do Ministério das Relações Exteriores, com três orquestras brasileiras — além da Osesp, fazem parte as Filarmônicas de Minas Gerais e de Goiás —, com a Academia Brasileira de Música e com o selo Naxos.

Gravado na Sala São Paulo entre 2021 e 2022 e com produção, engenharia e edição de Ulrich Schneider, este é o vigésimo terceiro título da série A Música do Brasil. O álbum traz quatro obras emocionantes do compositor paulista Francisco Mignone, um dos maiores nomes da música sinfônica brasileira, interpretadas pela Osesp e pelos solistas Fabio Zanon (violão), Emmanuele Baldini (violino), Ovanir Buosi (clarinete) e Alexandre Silvério (fagote), sob regência dos maestros Giancarlo Guerrero e Neil Thomson: são elas o Concerto para violão, o Concertino para clarinete, o Concertino para fagote e o Concerto para violino e orquestra.

Sentimental, telúrico, exuberante, polivalente e extremamente eclético, Francisco Mignone (1987-1986) foi uma das principais figuras da música brasileira no século XX. Com extrema inteligência e inabalável bom humor, Mignone percorreu inúmeros estilos e gêneros composicionais, do serialismo ao politonalismo, do nacionalismo arraigado à música de sabor europeu. Seu catálogo de obras é extenso, incluindo todos os gêneros de música vocal e instrumental. Desse gigantesco painel criativo, é possível destacar obras de imagens fortes e orquestração brilhante, como a ópera O Chalaça e o balé Quincas Berro d’Água, além de Festa das Igrejas e o celebrado Maracatu de Chico-Rei, gravados e lançados em CD pela Osesp. É também possível apontar delicadas miniaturas, como os 12 Estudos para violão ou as inesquecíveis Valsas de esquina, para piano, reflexos de seu relacionamento intelectual com Mário de Andrade, que o influenciou definitivamente a abraçar, em perspectiva estética, a causa da música brasileira. Em sua juventude, Mignone estudou em São Paulo, no Conservatório Dramático e Musical, aperfeiçoando-se mais tarde em Milão, na Itália, com Vincenzo Ferroni. A partir de 1933, passou a residir no Rio de Janeiro, onde se tornou — em 1939 — professor de regência do Instituto Nacional de Música, hoje Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O álbum Concertos and Concertinos pode ser encontrado em edição física na Loja Clássicos, que está localizada dentro da Sala São Paulo (piso térreo), e em edição digital disponível nas mais diversas plataformas de streaming.

[Capa: “Paisagem nº 94” (acrílica e óleo sobre tela) de Lucia Laguna (1941), Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Doação dos Patronos de Arte Contemporânea da Pinacoteca de São Paulo, por meio da Associação Pinacoteca Arte e Cultura – APAC, 2017. Fotografia de Isabella Matheus]


Sobre a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp é um dos grupos sinfônicos mais expressivos da América Latina. Com 13 turnês internacionais e quatro turnês nacionais realizadas, mais de uma centena de álbuns gravados e uma média de 120 apresentações por temporada, a Osesp vem alterando a paisagem musical do país e pavimentando uma sólida trajetória dentro e fora do Brasil, obtendo o reconhecimento de revistas especializadas como Gramophone e Diapason, e relevantes prêmios, como o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Clássica de 2007. A Orquestra se destacou ao participar de três dos mais importantes festivais de verão europeus, em 2016, ao se tornar a primeira orquestra profissional latino-americana a se apresentar em turnê pela China, em 2019, e ao estrear em 2022, no Carnegie Hall, em Nova York, apresentando um concerto na série oficial de assinatura da casa e o elogiado espetáculo Floresta Villa-Lobos. Desde 2020, Thierry Fischer ocupa os cargos de Diretor Musical e Regente Titular, antes ocupados por Marin Alsop (2012-19), Yan Pascal Tortelier (2010-11), John Neschling (1997-2009), Eleazar de Carvalho (1973-96), Bruno Roccella (1963-67) e Souza Lima (1953). Mais que uma orquestra, a Osesp é também uma iniciativa cultural original e tentacular que abrange diversos corpos artísticos e projetos sociais e de formação, como os Coros Sinfônico, Juvenil e Infantil, a Academia de Música, o Selo Digital, a Editora da Osesp e o Descubra a Orquestra. Fundada oficialmente em 1954, a Orquestra passou por radical reestruturação entre 1997 e 1999 e, desde 2005, é gerida pela Fundação Osesp.

Sobre Giancarlo Guerrero regente
Seis vezes vencedor do Grammy e Diretor Musical da Sinfônica de Nashville e da Filarmônica de Wrocław (Polônia), Guerrero nasceu na Nicarágua, imigrando ainda na infância para a Costa Rica. Posteriormente, estudou Percussão e Regência na Baylor University e obteve seu mestrado em Regência na Northwestern, ambas nos Estados Unidos. Ao longo de sua carreira, apresentou-se junto a importantes orquestras norte-americanas, como as de Baltimore, Dallas, Los Angeles, Filadélfia, Seattle e a Sinfônica Nacional (Washington), além de atuar com diversos grupos europeus, como a Sinfônica da Rádio de Frankfurt e as Filarmônicas de Londres, da Rádio França e da Holanda. Em 2019, recebeu a honraria de ser orador na Conferência da Liga de Orquestras Americanas. Na temporada 2023-2024, Guerrero retorna à Sinfônica de Chicago, em concerto conjunto com Wynton Marsalis e The Jazz at Lincoln Center, às Sinfônicas da Nova Zelândia e de Bilbao, à Filarmônica de Bruxelas, à Orquestra Gulbenkian, à Orquestra Cívica de Chicago e à própria Osesp, da qual é convidado frequente.

Sobre Neil Thomson regenteDiretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014, o maestro inglês foi regente titular do Royal College of Music de 1992 a 2006, do qual é membro honorário. Já gravou com a Orquestra Sinfônica de Londres e regeu concertos com as Filarmônicas de Londres, de Tóquio, Nacional Russa, Sinfônicas da BBC e Yomiuri Nippon, além da Osesp. Lecionou no Mozarteum em Salzburgo, na Academia de Música de Cracóvia e em diversos festivais, incluindo o Festival de Inverno de Campos do Jordão.

Sobre Emmanuele Baldini violino
Spalla da Osesp desde 2005 e primeiro violino do Quarteto Osesp desde 2008, o italiano Emmanuele Baldini se formou no Conservatório de Genebra, aperfeiçoando-se em Berlim e Salzburgo. Como solista, apresentou-se com diversos grupos, como a Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim, a Orchestre de la Suisse Romande, a Orquestra de Câmara de Viena e a própria Osesp, em diversas ocasiões. Paralelamente à sua carreira de violinista, Baldini atua como maestro. De 2017 a 2019, foi Diretor Musical da Orquestra de Câmara de Valdivia, no Chile, e atualmente é Regente Titular da Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí e Diretor Musical da Orquesta Sinfónica de Ñuble (Chile).

Sobre Alexandre Silvério fagote
Alexandre Silvério é um dos únicos fagotistas no mundo que se dedica ao jazz e à música clássica. Natural de Osasco (SP), começou a estudar música através do piano, aos sete anos de idade e incentivado por seu pai. Em 1990 começou a estudar fagote na Escola Municipal de Música de São Paulo, onde recebeu orientações de Gustav Busch e posteriormente de Francisco Formiga. Estudou Jazz e Improvisação com Roberto Sion e Hudson Nogueira. Venceu por quatro vezes consecutivas o Concurso Jovens Solistas da OER e uma vez o da Osesp, onde interpretou com a Orquestra o Concerto para fagote de C. M. von Weber, transmitido pela Rádio e TV Cultura. Em 1997 passou a integrar a Osesp e, dois anos mais tarde, recebeu bolsa de estudos da Fundação Vitae para estudar na Alemanha com o lendário fagotista Klaus Thunemann, na Hochschule für Musik Hanns Eisler, em Berlim. Após obter seu diploma com nota máxima, entrou novamente com o apoio da Fundação Vitae para a Academia da Filarmônica de Berlim (Karajan Akademie). Durante esse período na Alemanha, atuou com os mais destacados nomes da música erudita internacional, entre eles, a Orquestra Filarmônica de Berlim, Orquestra de Câmara Alemã e Orquestra Sinfônica de Berlim. Desde 2004 ocupa a cadeira de Primeiro Fagote Solista da Osesp. Além da atividade sinfônica, é professor da Academia de Música da Osesp e desenvolve intenso trabalho com seu grupo de jazz.

Sobre Ovanir Buosi clarinete
Ovanir Buosi nasceu em Americana (SP) em 1975. Graduou-se pela Unesp na classe de Sérgio Burgani e continuou sua formação no Royal College of Music de Londres. Foi premiado nos concursos Jovens Solistas da Osesp e no X Prêmio Eldorado de Música. Como solista, atuou frente às orquestras Southbank Sinfonia, Filarmônica de Belo Horizonte e Osesp. Foi professor do Festival Internacional de Música de Santa Catarina, do XXI Seminário Internacional de Música de Salvador e do VII Curso de Férias de Tatuí. Desde 1997, é Primeiro Clarinete Solista da Osesp. É docente da Academia de Música da Osesp, do Instituto Bacarelli e do Conservatório de Tatuí.

Sobre a série A Música do Brasil
A série A Música do Brasil faz parte do projeto Brasil em Concerto, desenvolvido pelo Instituto Guimarães Rosa, órgão de cultura do Ministério das Relações Exteriores, com o intuito de promover a música de compositores brasileiros criada a partir do século XVIII. Cerca de 100 trabalhos orquestrais dos séculos XIX e XX serão gravados pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp e as Filarmônicas de Minas Gerais e de Goiás. Álbuns de música coral e de câmara serão gradualmente adicionados à coleção. Os trabalhos foram selecionados de acordo com sua importância histórica para a música brasileira e a pré-existência de gravações. A maior parte das obras registradas para a série nunca esteve disponível em fonogramas fora do Brasil; muitas outras terão sua estreia mundial em álbuns. Uma parte importante do projeto é a preparação de novas ou primeiras edições dos trabalhos que serão gravados, muitos dos quais, apesar de sua relevância, só estavam disponíveis no manuscrito do compositor. Este trabalho é feito pela Academia Brasileira de Música e por musicólogos trabalhando em parceria com as orquestras.

FRANCISCO MIGNONE

Concertos and Concertinos (2024)

Concerto para violão (1975)                         

  1. Allegro moderato 12:39
  2. Lento e molto romântico 5:12
  3. III Allegro non tropo 4:31

Concertino para clarinete (1957)                  

  1. Lento – Moderato mosso 4:23
  2. Toada: Andantino non tropo 2:40
  3. Final: Allegro 3:07

Concertino para fagote (1957) 

  1. Assai moderato 4:18
  2. Allegro 4:40

Concerto para violino (1960)                    

  1. Allegro moderato 9:55
  2. Lento 12:09
  3. Allegro com brio 7:45


[Textos de Ronaldo Miranda e João Vidal sobre o álbum]

Francisco Mignone (1897–1986)
Concerto para violão • Concertino para clarinete • Concertino para fagote • Concerto para violino e orquestra

Apreciar a música de Francisco Mignone requer compreender alguns fatos básicos, embora não de todo óbvios, acerca de sua origem, formação e trajetória artística. Esses esclarecem, com efeito, aspectos que permeiam toda a sua obra, como a sua relação com as tradições musicais europeias, com o modernismo musical brasileiro, com tendências vanguardistas internacionais e, de maneira mais ampla, com o vasto panorama musical do país, com o qual colaborou ao longo de quase sete décadas como intérprete e compositor. Nascido em São Paulo em 3 de setembro de 1897, filho do flautista Alferio Mignone, imigrante italiano que chegara ao Brasil no ano anterior, Francisco Paulo Mignone desenvolveu seu talento musical em ambiente que pouco se distanciava da origem paterna. Ao contrário do Rio de Janeiro, dominado então pela influência francesa, em São Paulo prevalecia a estética italiana. Muito coerentemente, Mignone buscaria aperfeiçoamento como compositor no Conservatório de Milão, estudando por nove anos com Vincenzo Ferroni, antigo professor de Alexandre Levy e colega de Francisco Braga, em Paris.

Como então, nas palavras de Vasco Mariz, “um filho de italianos, de formação nitidamente italiana, de preparo técnico ítalo-francês, de um melodismo essencialmente mediterrâneo” teria sido capaz de “captar tão eficazmente as constâncias folclóricas negras, aculturadas no Brasil”? Claramente, está em jogo nesse ponto a conversão de Mignone ao nacionalismo musical, relacionada por Mariz à influência de Mário de Andrade (1893-1945), e que teria exigido deste, em comparação com o caso de Camargo Guarnieri, “um approach intelectual muito mais sofisticado e trabalhoso”. Entre os primeiros resultados deste frutífero intercâmbio contam-se as rapsódicas Fantasias Brasileiras para piano e orquestra compostas por Mignone entre 1929 e 1936, para Andrade representativas de uma “orientação conceptiva em que a nacionalidade não se desvirtua pela preocupação do universal”, pela qual “Francisco Mignone poderá nos dar obras valiosas e fecundadas com a sua personalidade”. Podemos crer que a profecia de Mário de Andrade se concretizaria com especial nitidez no período de 1956 a 1960, quando Mignone volta-se novamente à composição para instrumentos solistas e orquestra. De fato, o que vemos nesta sua fase de criação — em obras como a Burlesca e Toccata para piano e orquestra, os concertinos para clarineta e para fagote, e os concertos para piano e para violino — é uma “orientação conceptiva” muito próxima àquela percebida décadas antes por Andrade.

[João Vidal, Pianista e musicólogo]

Concerto para violão

Mignone compôs seu Concerto para violão em 1975, dedicando-o a Antônio Carlos Barbosa-Lima, que o estreou dois anos mais tarde, em Washington, D.C., nos Estados Unidos. Construída delicadamente em três movimentos, a peça tem instrumentação pequena, com orquestração cuidadosamente planejada para fazer brilhar o violão solista. O “Allegro Moderato” inicial alterna baixos dramáticos com melancolia seresteira, estabelecendo vigorosos contrastes entre as massas sonoras. O segundo movimento — “Lento e Molto Romantico” — flutua num Sol Maior sertanejo, estabelecendo um painel sonoro de variadas reminiscências, de George Gershwin a Béla Bartók. Vigorosamente rítmico, o terceiro tempo — “Allegro Non Troppo” — caracteriza-se por sua contemporânea brasilidade, numa criativa mistura de choro, baião, xaxado e embolada, que aparece revitalizada por um hábil manejo dos blocos sonoros.

[Ronaldo Miranda, Compositor e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo]

Concertino para clarinete • Concertino para fagote • Concerto para violino e orquestra

Estreados em São Paulo e no Rio de Janeiro em junho e julho de 1957, sempre sob regência do próprio compositor, o Concertino para clarinete e o Concertino para fagote têm em comum a linguagem nacionalista, uma orquestração reduzida (cordas e sopros apenas — estes limitados às madeiras, no segundo) e sua origem na relação direta do compositor com seus primeiros intérpretes, o clarinetista José Botelho e o fagotista Noel Devos. Outros paralelos revelam-se no tratamento do material musical em si: se no primeiro movimento do Concertino para fagote, “Assai moderato”, descrito à época da sua estreia como um “chorinho dolente e nostálgico”, encontramos um constante diálogo entre solista e orquestra, o mesmo princípio pode ser observado no segundo movimento do Concertino para clarinete, “Toada”, aplicado porém na forma de longas passagens em que a clarineta solista se lança em expressivo dueto com flauta e, depois, com o fagote. De forma semelhante, Mignone explora também um mesmo princípio tanto o “Final” do Concertino para clarinete, quanto segundo movimento do Concertino para fagote, “Allegro”, princípio derivado desta feita da “embolada” tal como descrita por Mário de Andrade em seu Dicionário Musical Brasileiro: “linha de andamento rápido, onde abundam as notas rebatidas, e construída num ‘perpetuum mobile’ […] em semicolcheias. O compasso no 2/4 usual”. O resultado é intensificado, nos dois casos, pelas possibilidades contrapontísticas encontradas pelo compositor, com abundante uso de cromatismo e constante diálogo dos naipes.

Já o Concerto para violino e orquestra, composto em 1960 como a última dessa série de composições, ilustra também um outro desenvolvimento na trajetória criativa de Mignone, marcado por uma preocupação menor com fontes nacionais em favor de um ecletismo estético que o aproximou de uma linguagem moderna internacional. Reorientação que ocorre, não raro, em negação daquilo que o próprio compositor definira, no final da década de 1940, como sendo sua ambição estética central: uma música “tecnicamente mais refinada, mas clara, honesta e facilmente compreensível para a maioria”. A tradicional cadência do solista, aqui, localiza-se não ao final do “Allegro Moderato” inicial, como seria de se esperar, mas no segundo movimento, “Lento”. Um “Allegro con Brio” encerra este que seria definido pelo crítico José da Veiga Oliveira, em 1982, como “o maior concerto na música brasileira nesse difícil gênero concertante”.

[João Vidal, Pianista e musicólogo]

Por Fabio Rigobelo
Assessor de Comunicação

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