ENTREVISTA COM EZEQUIEL MENTA – A EDUCAÇÃO E A INTELIGÊNCIA ARTIFICAL – DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA O FUTURO

Eziquiel Menta
Divulgação

Na entrevista concedida com exclusividade para a Coluna KV, Eziquiel Menta reflete sobre a integração da IA na educação e as escolhas que nortearão o futuro do ensino, além da relação desta nova tecnologia com os professores e alunos.

Grupo de Estudo e Pesquisas Professor, Escola e Tecnologias Educacionais da Universidade Federal do Paraná – GEPPETE/UFPR. Palestrante do Instituto Conhecer. 

Sobre Eziquiel Menta

Eziquiel Menta é Doutorando em Educação pela UFPR e Mestre em Educação pela mesma instituição. Professor de Matemática e Física da SEED há 29 anos, atuou como Diretor de Políticas e Tecnologias Educacionais na SEED-PR. É Fellow do desafio Aprendizagem Criativa 2017 do MIT e membro do Grupo de Estudo e Pesquisas Professor, Escola e Tecnologias Educacionais – GEPPETE/UFPR. Tem experiência em Tecnologia Educacional, Aprendizagem Criativa, Movimento Maker e Formação de professores com/para o uso de tecnologias digitais. Palestrante do Instituto Conhecer.

1. Como você vê o uso atual e futuro da IA na educação?

Primeiro, é importante entendermos o que é Inteligência Artificial (IA). Existem muitas definições de IA, mas de forma mais simplificada, podemos defini-la como sistemas computacionais que realizam tarefas normalmente associadas à inteligência humana, como aprendizado, resolução de problemas e tomada de decisão. A IA precisa de dados e aprendizado de máquina para funcionar de maneira eficaz, analisando grandes volumes de dados para aprender e tomar decisões informadas. No entanto, atualmente, muitos sistemas estão sendo vendidos como IA, mas são apenas sistemas com algumas regras básicas, sem a capacidade real de aprendizado ou adaptação.

Assim como em outros setores, a IA tem sido inserida na educação de diversas maneiras. Talvez muitos professores e profissionais da educação ainda não reconheçam, mas ela já está sendo usada no cenário brasileiro em sistemas de análise de dados, plataformas de aprendizado personalizado e ferramentas de gerenciamento escolar. É inevitável que a presença da IA cresça no curto e médio prazo. Por isso, é importante que os professores conheçam mais sobre IA e sejam ouvidos quanto à sua implementação e desenvolvimento, garantindo que essas tecnologias atendam às suas expectativas e necessidades, e não apenas aos interesses do mercado.

Vejo essa evolução com entusiasmo e preocupação. Entusiasmo pelo potencial das ferramentas que tenho testado, que podem transformar a educação e torná-la mais personalizada e eficiente. No entanto, também tenho receio de que a IA possa fortalecer a visão de que a educação pode ser barateada e indiretamente desumanizada, reforçando a ideia de que a educação é apenas um serviço. Precisamos garantir que a implementação da IA na educação não perca de vista a importância da interação humana e do papel insubstituível dos professores.

A IA na educação tem o potencial de transformar a maneira como ensinamos e aprendemos. No entanto, é fundamental que seja utilizada para complementar, e não substituir, o papel dos professores. A interação humana, a empatia e o julgamento profissional dos educadores são aspectos que a tecnologia ainda não pode replicar e são essenciais para uma educação de qualidade. Portanto, é crucial que a implementação da IA seja feita com cuidado e atenção às necessidades e preocupações dos professores, para garantir que a educação permaneça uma experiência humana enriquecedora.

2. De que maneiras a IA pode realmente auxiliar os professores no dia a dia escolar?

Existem muitas promessas e expectativas quanto as maneiras como a IA pode ser utilizada na educação, o que garantem os entusiastas que trará maior eficiência e personalização ao processo educacional. Alguns dos exemplos mais comentados atualmente incluem:

A automatização de tarefas administrativas, como a correção de atividades (provas, redações, etc.) e até mesmo chamada escolar com reconhecimento facial, liberando mais tempo para o ensino e a interação direta com os alunos.

Ferramentas de avaliação automática prometem oferecer feedback instantâneo, permitindo que os alunos compreendam seus erros e aprendam em tempo real. Por exemplo, um sistema de IA pode corrigir uma redação, destacando pontos fortes e áreas de melhoria, ajudando os alunos a aprimorar suas habilidades de escrita de forma contínua.

A IA também pode proporcionar um assistente para professores, ajudando a encontrar materiais didáticos relevantes, relacionar conteúdos e proporcionar interdisciplinaridade. Por exemplo, um professor de história pode receber sugestões de materiais de literatura que complementem o contexto histórico estudado. Infelizmente tenho visto muito pouco desse tipo de desenvolvimento.

Sistemas de tutoria inteligente são outra aplicação que permite auxiliar os estudantes fora do horário de aula. Essas ferramentas podem fornecer explicações adicionais, exercícios e recursos personalizados com base nas necessidades individuais de cada aluno, complementando o trabalho dos professores e oferecendo suporte contínuo. Uma espécie de chatbot complementar ao professor.

A análise de dados educacionais é outra promessa da IA, que pode identificar padrões e necessidades específicas dos alunos, possibilitando intervenções mais direcionadas e personalizadas. Por exemplo, ao perceber que um grupo de alunos está com dificuldades em matemática, a IA pode sugerir estratégias específicas para abordar essas dificuldades.

Plataformas adaptativas de aprendizagem, que ajustam o conteúdo e o ritmo do aprendizado de acordo com as necessidades individuais de cada aluno, são outra aplicação relevante. Essas plataformas prometem oferecer uma experiência personalizada que pode maximizar o potencial de cada um. Funciona assim: ao perceber que um aluno está dominando rapidamente um tópico, a plataforma pode acelerar o conteúdo ou oferecer desafios adicionais, enquanto para outro aluno que encontra dificuldades, pode fornecer recursos adicionais e um ritmo mais lento.

Outra aplicação interessante é a IA generativa, como o ChatGPT e o Gemini. A IA generativa pode criar texto, imagens, música e outros conteúdos, podendo ser explorada tanto por professores quanto por estudantes. Essas ferramentas podem ajudar a gerar ideias para projetos, criar materiais didáticos personalizados e até auxiliar na composição de música ou arte digital.

Essas promessas de ferramentas apresentam um grande potencial para transformar a educação, mas é essencial lembrar que os professores devem ser incluídos no desenvolvimento e implementação dessas tecnologias. Isso garante que as ferramentas realmente atendam às necessidades dos educadores e dos alunos, e que a educação permaneça uma experiência humana enriquecedora.

3. Qual é o papel dos educadores neste novo cenário onde a IA está cada vez mais presente na educação?

Eles devem assumir o protagonismo na seleção, na implementação e nas discussões dessas tecnologias, garantindo que a IA seja utilizada de maneira ética, eficiente e centrada no aluno.

Os professores são os principais mediadores entre a tecnologia e os alunos, utilizando a IA para enriquecer o processo educacional, mas mantendo o foco na interação humana e na personalização do ensino. A expertise, empatia e julgamento crítico dos professores são essenciais para interpretar e aplicar os dados fornecidos pela IA de maneira que beneficie verdadeiramente os alunos.

Além disso, os professores garantem um olhar humano sobre a educação, preocupando-se com a inclusão e combatendo preconceitos e discriminações. A tecnologia, por si só, pode perpetuar vieses e desigualdades se não for cuidadosamente monitorada e ajustada. Os educadores são indispensáveis para identificar e corrigir essas falhas, assegurando que todos os alunos tenham acesso equitativo às oportunidades educacionais proporcionadas pela IA.

Os professores também devem preparar os alunos para um futuro onde a IA será prevalente, ensinando habilidades digitais, pensamento crítico e ética no uso da tecnologia. Eles devem ser modelos de como usar a IA de maneira responsável e eficaz, orientando os alunos a serem criadores e críticos conscientes de tecnologia.

Os professores são essenciais para garantir que ao inserirmos IA na educação não percamos de vista a importância da interação humana e do desenvolvimento integral dos alunos.

4. Você acha que a Inteligência Artificial pode substituir os professores? Gostaria muito de ouvir sua opinião sobre isso.

A questão de se a Inteligência Artificial pode substituir os professores é frequentemente levantada, mas como Neil Selwyn discute em seu livro “Can Robots Replace Teachers?”, essa é a pergunta errada. A IA pode, tecnicamente, realizar muitas das funções de um professor, como transmitir conteúdos e avaliar desempenhos. No entanto, a verdadeira questão é: “Devem os professores ser substituídos por IA?”

Precisamos escolher o tipo de educação e sociedade que queremos para o futuro. A educação não é apenas sobre a transmissão de conhecimento; é também sobre desenvolvimento emocional, social e ético. Professores não são apenas transmissores de informação, mas também mentores, guias e modelos de comportamento para os alunos.

Os professores trazem empatia, compreensão e uma capacidade de se adaptar às necessidades individuais dos alunos de maneiras que a IA ainda não consegue replicar. Eles são essenciais para criar um ambiente de aprendizado que valoriza a diversidade, promove a inclusão e combate preconceitos e discriminações. Além disso, os educadores desempenham um papel crucial na formação de cidadãos críticos e conscientes, algo que vai além do mero ensino de conteúdos acadêmicos.

Enquanto a IA pode ser uma ferramenta poderosa para apoiar o trabalho dos educadores, ela não deve substituí-los. A escolha que fazemos sobre o uso da IA na educação reflete nossos valores e prioridades como sociedade. Precisamos decidir se queremos uma educação centrada na eficiência e na automação ou uma educação que valoriza a interação humana e o desenvolvimento integral dos alunos.

Falo isso porque, para algumas pessoas e, principalmente, para algumas empresas, infelizmente a resposta pode ser sim. Afinal, imagine ter robôs que não precisam de descanso, salário e não possuem direitos. Essa visão pode parecer atraente do ponto de vista econômico, mas é crucial considerar o que perderíamos em termos de qualidade educacional e desenvolvimento humano ao seguir esse caminho.

5. Quais são os principais desafios na integração de tecnologias cognitivas digitais nas escolas, e como você acredita que a IA pode ajudar a superá-los?

Os principais desafios incluem a falta de formação adequada, e questões de privacidade e segurança dos dados e preocupações com viés e preconceitos nos algoritmos de IA, que podem perpetuar desigualdades.

Para superar esses desafios, é crucial oferecer aos educadores formação contínua que os prepare para usar essas tecnologias de maneira eficaz e compreensiva. Também é fundamental garantir que todos os alunos, independentemente de sua localização ou condição social, tenham acesso a estes recursos o que no Brasil ainda é um desafio gigantesco.

A implementação de sistemas robustos de segurança e privacidade é essencial para proteger os dados dos alunos e professores. Além disso, os desenvolvedores de IA devem trabalhar para identificar e eliminar vieses nos algoritmos, assegurando que as tecnologias sejam justas e inclusivas.

6. Quais são suas principais preocupações e as maiores oportunidades que a IA oferece na educação, e como podemos diminuir os riscos associados a ela?

Como já mencionado minhas principais preocupações com a IA na educação envolvem a possibilidade de desumanização do processo educacional, a perpetuação de vieses e desigualdades, e questões de privacidade e segurança dos dados dos alunos e professores. A IA pode inadvertidamente reforçar preconceitos existentes se os algoritmos forem treinados em dados tendenciosos. Além disso, há o risco de que a dependência excessiva da tecnologia possa diminuir a qualidade das interações humanas, que são fundamentais para o desenvolvimento emocional e social dos alunos.

Outro receio é que a IA possa manter modelos educacionais focados apenas na transmissão de conteúdo, em vez de promover o desenvolvimento de criatividade e inventividade nos alunos. Atualmente, o desenvolvimento de IA está mais concentrado em startups e empresas, o que pode levar a um enfoque mais comercial do que pedagógico. Há também o perigo de ficarmos reféns de sistemas proprietários, sem compreender completamente como eles tomam decisões, o que pode normatizar uma educação pouco transparente e controlada por interesses comerciais.

No entanto, a IA também oferece enormes oportunidades. Ela podem encontrar informações nos dados educacionais e no ajudar a personalizar o aprendizado de acordo com as necessidades individuais de cada aluno, oferecer feedback instantâneo, automatizar tarefas administrativas para liberar mais tempo para o ensino. A IA pode ajudar a identificar dificuldades de aprendizagem precocemente, permitindo intervenções mais eficazes.

Para diminuir os riscos associados à IA, é essencial implementar políticas robustas de ética e privacidade, garantir a transparência dos algoritmos e envolver educadores no desenvolvimento e monitoramento das tecnologias. Além disso, a formação contínua de professores é crucial para que eles possam utilizar a IA de forma crítica e eficaz, garantindo que a tecnologia complemente, e não substitua, a interação humana no processo educativo. A compreensão e o controle sobre como as decisões são tomadas pela IA devem ser uma prioridade para garantir que a educação permaneça centrada nas necessidades e no desenvolvimento integral dos alunos.

7. Por favor, deixe um recado aos professores leitores da Coluna KV.

Vivemos um momento de grandes transformações tecnológicas, e a Inteligência Artificial está cada vez mais presente em nossas vidas e nas salas de aula e se faz crucial que mantenhamos o foco na interação humana e no desenvolvimento integral de nossos alunos.

Novamente nos deparamos com uma promessa para a educação. É crucial lembrar que outras tecnologias, como o rádio e a TV, também foram vistas como transformadoras, revolucionárias na educação. A história nos mostra que a tecnologia por si só não garante sucesso; o uso eficaz, a formação dos professores e o foco no aluno são essenciais para aproveitar todo o potencial de qualquer tecnologia na educação.

A IA não é neutra. As tecnologias refletem os valores e as prioridades de quem as desenvolve. Por isso, devemos estar atentos e críticos quanto à sua utilização, garantindo que sejam empregadas de maneira a promover uma educação justa e inclusiva.

A tecnologia deve ser nossa aliada, não nossa substituta. Juntos, podemos garantir que a educação do futuro seja inclusiva, justa e humanizada.

Por Katia Velo

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