Entrevista Especial Aniversário Curitiba – CRISTOVÃO TEZZA
Cristovão Tezza é um dos mais respeitados escritores da atualidade. Nesta data em que Curitiba celebra seus 318 anos, uma entrevista especial com o escritor.
Katia Velo – No livro “O FILHO ETERNO”, além das dificuldades de ter um filho com síndrome de down, você descreve sobre suas desventuras, incluindo as de escritor. Você acredita que parte do sucesso deste livro se deve ao fenômeno rockybalboaniano (o primeiro, onde o Rocky sobe aquela imensa escadaria); ou seja, depois de uns “sopapos” da vida, nada como ter um fff, final feliz familiar.
Cristovão Tezza – Nunca pensei nisso, para dizer a verdade. Bem, “O filho eterno” é um romance de formação, que sempre tem esse ingrediente transformador na vida de alguém. Mas veja que o livro não tem propriamente um final fechado, moralizante ou propriamente tranquilizador. A situação do personagem fica em aberto.
KV – Seus livros, ou melhor, confessadamente os que li (os dois últimos), são permeados por uma complexidade na escolha inusitada e ao mesmo tempo precisa das palavras, principalmente em “UM ERRO EMOCIONAL” onde se forma um “crochê de letras” onde os personagens são enredados mais pelo que pensam do que pelo que falam. E, neste lugar comum, o banal ganha uma outra dimensão, mais significativa. Por que temos tanta dificuldade em ver, sentir, a beleza das coisas simples fora da ficção.
CT – Veja que a literatura dá sentido ao que, compreendido de forma avulsa no nosso dia a dia, não tem muito sentido. Um livro é um recorte de artifício que oferece ao leitor uma leitura possível. Eu vejo aí um dos aspectos mais importantes da ficção – a possibilidade de transcender a banalidade cotidiana, mas sem propriamente “explicar”. Trata-se de partilhar uma experiência.
KV – Ser um escritor conhecido no Brasil e em Portugal e escapar da estante de “autores paranaenses” nas livrarias já é uma grande “odisséia”, pois ser e/ou ter sucesso notório aqui, pode-se traduzir em insignificância no resto do país. Há uma literatura paranaense ou paranista que não ultrapassa a zona territorial?
CT – Não se trata de um fenômeno apenas paranaense. Todo país tem seus centros fortes de cultura, que acabam dando ressonância à produção regional. Durante anos publiquei livros aqui em Curitiba e vivia num ostracismo total. Só quando passei a ser editado em São Paulo, por uma grande editora, isso mudou. Eu acho que esse “serviço militar obrigatório” acaba por fazer parte na formação de todo escritor. Dizendo com simplicidade: a gente tem de aguentar o tranco! Mas no mundo pós-internet esse exílio regional está acabando, felizmente.
KV- O caráter autobiográfico e a escolha da narrativa na terceira pessoa em “O FILHO ETERNO” colaborou para você escrever de forma “nua e crua” sobre o desprazer inicial de ter um filho “down”, atingindo o “inconsciente coletivo” daquilo que todo mundo pensa e não tem coragem de dizer, pode também ser um dos ingredientes de tanto sucesso alcançado pelo público e a crítica.
CT – Quem escreve está próximo demais do livro para “explicá-lo”. Eu não sei – a empatia com o leitor é sempre um mistério. Bem, o tema de “O FILHO ETERNO” é muito forte, e por isso mesmo deixava algumas armadilhas sentimentais pelo caminho, de que fui me desviando.
KV – O trabalho com a pintura, que em minha opinião, é tão complexa quanto escrever, nos oferece múltiplas possibilidades ou caminhos, é ir além do olhar, é o perceber-se, é interiorizar-se, é sempre uma forma de catarse. Diferentemente de outras áreas artísticas, como o teatro, a dança, o cinema, etc.; o escritor e o artista plástico compartilham de um prazer pela solidão. Ainda em “O FILHO ETERNO” você fala sobre a sua pintura ginasiana. Pensa em dedicar-se mais à pintura e exercê-la de forma mais autônoma.
CT – Na verdade foi apenas um “copista” – tenho aqui em casa um Matisse e um Modigliani que eu mesmo pintei anos atrás… Nunca tive a pretensão de pintar como autor. A literatura já é angústia suficiente para mim. Sim, a pintura é um trabalho muito difícil. Tenho uma relação forte com artes plásticas. Um de meus romances, “BREVE ESPAÇO ENTRE A COR E SOMBRA”, tem como tema um pintor e seu trabalho. Mas as artes plásticas para mim são apenas um foco de interesse literário.
KV – Há uma sensação de que tudo pode ser considerado arte e, por outro, ecoa aquela conhecida frase de que qualquer criança pode fazê-la. Seu filho Felipe gosta muito de desenhar e pintar. No lançamento do seu livro sobre “O FILHO ETERNO” houve inclusive uma exposição dos trabalhos de Felipe. Como você analisa o papel das artes visuais no desenvolvimento do seu filho.
CT – A pintura tem sido uma atividade sensacional na vida dele, muito pela presença e pelo trabalho do Ateliê Criação, dirigido pela Márcia Miranda, centrado em pessoas especiais. É uma atividade ótima para o Felipe, em todos os sentidos, da socialização, por trabalhar em grupo, ao exercício de suas habilidades estéticas e motoras. O Felipe tem um traço muito original, e adora pintar.
KV – Em “UM ERRO EMOCIONAL” gerou-se uma enorme expectativa sobre o que viria depois de “O FILHO ETERNO”. Você temia que como disse o personagem Donetti “São sempre as coisas desagradáveis que dão boa literatura” fosse uma previsão catastrófica?
CT – Para dizer a verdade, sou um escritor meio “autista”. Quando começo um romance, esqueço do resto. Senti uma certa pressão de tanto que me falaram disso, todo mundo perguntando o que seria agora, coisas assim.
Bem, apenas toquei o barco e escrevi outro livro. Foi ótimo lançar “UM ERRO EMOCIONAL”, e fiquei feliz com a repercussão. De certa forma, saí da sombra de meu próprio livro…
KV – Em algumas entrevistas você declara que não pensa no leitor quando escreve. Esta pergunta é muito recorrente e para mim, um pouco sem sentido, pois quando crio algo, digo isto como artista, sou extremamente egoísta, não consigo pensar em mais nada, além daquilo que desejo. Só depois, vou avaliar o que fiz e passo a fazer algumas mudanças. Como é o seu processo de criação e em que momento o leitor ocupa um espaço importante?
CT – Dizendo uma expressão só: quando escrevo, o leitor sou eu. Mas como não vivo numa redoma de vidro, esse primeiro leitor é também um sentimento coletivo, um olhar de fora. A ideia de um leitor, para mim, é a de uma perspectiva alheia. Mas em nenhum momento faço “autocensura” pensando no que o leitor real vai dizer…
KV – Acredito que “UM ERRO EMOCIONAL” esteja agradando mais as mulheres do que aos homens, afinal, que mulher não gosta de saber que despertou a paixão em alguém, mesmo que dito como Um erro emocional. Além disto, há uma sutileza no relacionamento entre Donetti e Beatriz (sem sexo) que indubitavelmente deve despertar o interesse de muitas leitoras.
CT – Já me disseram isso, mas não sei – também venho recebendo comentários e críticas de homens que curtiram muito o livro. Bem, talvez em nenhum momento da história a consciência masculina tenha pensado tanto na sensibilidade feminina como hoje. A verdade é que o clássico machismo que vem triunfando há milhares de anos nunca esteve tão em baixa…
KV – E, agora, depois de tantos e tão importantes prêmios você aparece na revista BRAVO (dezembro 2010- edição 160) cujo tema 100 Melhores do Século 21, o livro “O FILHO ETERNO” é indicado como no. 1. Além do notório manuseio das palavras e anos de dedicação às letras, foi a sua autoestima, ou teimosia, que ajudaram a firmá-lo como escritor, o que parecia irremediavelmente impossível até certo momento da sua vida. Qual é a sensação de desfrutar de tão honrosos reconhecimentos?
CT – É uma sensação muito boa. Mas lembro que eu não devo ser confundido com o personagem do meu livro. Sempre fui uma pessoa bastante alegre, cabeça fresca, um sujeito bem-humorado. Confundir o autor com o personagem pode levar à conclusão de que eu fui “libertado” pelo livro, o que seria absurdo. E como escritor, tenho tido um bom reconhecimento de leitores e de crítica, para os padrões brasileiros, desde o final dos anos 80, quando lancei “TRAPO”. O personagem é uma construção mental, uma escolha de aspectos que sempre acaba criando outra pessoa. Claro que o sucesso de “O FILHO ETERNO” foi bastante inesperado, mas aconteceu com um escritor já com mais de 50 anos de idade, o que faz uma boa diferença.
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