Mentira: Recurso ou transtorno?

Até que ponto mentir é saudável? Especialista explica que excesso pode desenvolver transtorno psicológico

 

O que é uma mentira e o que é uma verdade? Estas são duas oposições que carregam conceitos filosóficos e psicológicos extremamente importantes e que são amplamente discutidos. Há acontecimentos da realidade, há fantasias e há más-intenções. E quando tudo isso se agrupa, segundo a psicóloga e professora do UniBrasil, Ana Suy Sesarino, “é complicado definir exatamente qual o ponto de torção, e em que momento uma coisa vira outra”. A mentira é um recurso muito utilizado para se ajustar a certas situações. No entanto, contar histórias falsas de forma sistematizada e contínua ou então mentir para causar sofrimento, são indícios de transtorno psicológico – no Brasil conhecido como mitomania.

 

 

Apesar dos conselhos de que “sempre devemos dizer a verdade”, é impossível viver sem nunca ter mentido. Isso porque a mentira é estrutural para o psiquismo e está atrelada à nossa participação na cultura. Uma criança, por exemplo, que se desenvolve psiquicamente bem, em algum momento irá mentir para os seus pais. “Podem não ser mentiras graves, ela pode dizer que já tomou banho quando ainda não o fez. Mas para o seu bom desenvolvimento é preciso que ela seja capaz de contar coisas que ela sabe que não são verdades”, explica Ana.

 

“Já uma criança muito pequena, que não sabe ainda dissociar a realidade da fantasia, pode contar coisas que imaginou ou que sonhou como se fossem verdades. Para ela esses acontecimentos são mesmo verdades. É preciso que os adultos entendam isso”, completa a profissional.
Espera-se que na vida adulta o sonho seja dissociado da realidade, entretanto, mesmo nesse estágio da vida, a fantasia continua a permear as relações. Isso é normal desde que a pessoa não faça das mentiras seu modo de viver. “A mitomania está ligada ao funcionamento psíquico, como uma espécie de delírio. A pessoa cria uma fantasia e não vai em busca para tornar o desejo real, mas acredita que já existe, sentindo-se confortável e realizada com a realidade paralela”, diz Ana. A professora ainda alerta que o transtorno nada tem a ver com ações planejadas para o benefício próprio.

 

“Existem pessoas que mentem, sabendo que estão dizendo coisas que não são verdadeiras para se beneficiarem de algo. No relacionamento, no trabalho, em casa, etc. Isso é outra coisa. Talvez a pessoa minta por não querer lidar com a sua própria realidade diante dos outros. Então mente para não precisar falar de verdades que para ela são difíceis. Há casos de pessoas que são mau-caráter, mentem para fazer mal ao outro. É preciso dizer que há pessoas assim, que encontram satisfação no sofrimento do outro e não se sentem culpadas em relação a isso”, pondera.

 

São diversas as causas e um conjunto de fatores responsáveis por desenvolverem a mitomania, como histórico de vida, relação parental, genética, experiências ou até mesmo um trauma. “Nosso mundo interno vive se confundindo com nosso mundo externo, o que impossibilita uma nítida distinção entre mentira e verdade. Portanto é sempre preciso pensar em quem diz mentiras para entender a sua função. Tomar a mentira por si só, como um fato verdadeiro e desarticulado de quem a conta, é um erro. O ser humano é muito plural para isso”, finaliza Ana.

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