Professor em Chamas
Daniel Medeiros*
Heráclito, o filósofo grego, falava que a verdade era o vir a ser, o movimento de transformação do mundo: ninguém pode se banhar duas vezes nas águas do mesmo rio. Tudo é mudança e os estados sólidos são apenas o tempo agindo devagar. O conhecimento é como o fogo que cria e consome: começo e fim.
O professor é o profissional que mostra o mundo aos novos, o mundo no qual todos conviveremos até o fim de nossas vidas. Não somos apenas humanos. Somos seres humanos no mundo. E esse mundo público, comum, único, é nossa morada. O professor dirá como ele é, como funciona, suas fragilidades e suas bênçãos. O professor é o guia nesse ingresso ao mundo que é herança e promessa ao mesmo tempo.
As crianças e os jovens precisam a aprender a viver, conviver, manter e transformar o mundo. Verbos complexos e, muitas vezes, conflitantes. Principalmente em uma sociedade na qual, cada vez mais, o espaço vai sendo privatizado, assenhorado como um privilégio e não um direito. E os que pensam assim acreditam ser possível isolar-se e isolar os outros “no seu pedaço”. Daí os discursos de ódio e de preconceito: a crença de que é possível ter o mundo e não apenas estar no mundo.
O professor é o mediador da passagem do pequeno mundo privado para o grande mundo público. O professor é o responsável por lembrar que ar, água, terra, frutos, estavam aqui antes, devem estar durante, devem permanecer depois. E que também as pessoas, todas as pessoas, chegaram ao mundo do mesmo jeito. Os privilégios não são uma natureza do mundo, são uma criação das pessoas no mundo. Algumas pessoas.
Cabe ao professor contar e fazer lembrar. Cabe ao professor prestar contas de onde vêm as histórias e durante quanto tempo elas já são contadas. Cabe ao professor insistir que as histórias também são uma herança preciosa do mundo e que os que ainda não ouvem merecem aprender com a voz daqueles já não falam.
Pois que o mundo é um só mas não é uma coisa parada. É como fogo: vida e morte, brasa e fumaça, azul/amarelo, perigo e salvação, incêndio, lareira.
Pois que o professor é um decifrador das mensagens deixadas pelo mundo para os que chegam; um guardião das marcas que não podem ser apagadas; um provocador a estimular novas marcas e novas mensagens.
Ser professor é estar em chamas.
Aos que ardem, aos que aquecem, aos que irradiam, aos que transformam, aos que tiram o fôlego, aos que iluminam.
Parabéns. E obrigado.
* Daniel Medeiros é Doutor em História pela UFPR e professor no Curso Positivo.
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