2022: o ano da reabilitação social e os impactos invisíveis da pandemia

Por Claudia Siqueira

Claudia Siqueira / Divulgação

As escolas, assim como os hospitais, foram os lugares que viveram e ainda convivem com os impactos da Covid 19. Lógico que, de uma forma mais visível, os hospitais cuidaram dos “pacientes diretos”, viram a doença de perto, mas, nós, que estamos nos ambientes escolares, como evidenciamos diariamente esses impactos?

Muitas são as evidências e algumas escandalosamente visíveis, como o despreparo da Educação como um todo, pública e privada, para o ensino remoto. Foi uma loucura! Encontrar o tempo de tela adequado para atrair as crianças pequenas e a criar estratégias de engajamento, tanto para crianças quanto para adolescentes, foi um desafio;

O que se viu foram câmeras fechadas, famílias sem estrutura tecnológica, crianças sem equipamentos, dificuldade de acesso à internet, famílias com mais de dois filhos com aulas ao mesmo tempo e um único aparelho para todos e pais usando o mesmo computador para trabalhar. Além disso, muitas famílias não tinham estrutura física e nem psicológica para apoiar seus filhos nos momentos de “aula virtual”.

Eu poderia continuar enumerando a enorme complexidade que foi montar uma estrutura para uma forma de aprendizagem totalmente não considerada até mesmo pelos melhores futurólogos de plantão. E lógico que o resultado não poderia ser diferente, pesquisam apontam um déficit de 11 anos para recuperarmos a aprendizagem cognitiva, considerando apenas o conteúdo programático!

Mas a pandemia trouxe a pauta da saúde mental, do bem-estar, do burnout e desvelou e acentuou a discrepância entre o poder de ação entre a educação pública e privada. Ficou explicito que muitas crianças e jovens da rede pública vão para escola para se alimentar e que o aprender é um complemento e não a causa prioritária.

A volta para as escolas foi uma luta, e aconteceu entre trancos e barrancos, umas com estruturas até carnavalescas e outras com água, sabão e olha lá …

Mas foi nesta volta que as evidências começaram a aparecer porque, tanto as escolas públicas como privadas, pensaram equivocadamente. Voltamos e vamos continuar de onde paramos, só que não consideraram que tivemos um “gap” de 2 anos!!!!

Muitas crianças foram “alfabetizadas”, jovens se formaram no EM, outros adolesceram em plena pandemia fora da escola que é o segundo núcleo social da criança e do jovem e, sendo assim, um ambiente de modelagem de comportamento pró-social!  E agora?

Nesse momento é importante avaliar o que realmente colhemos? Crianças abaixo do peso, que cresceram menos, com menor mobilidade corporal, com menor tolerância, com sexualidade mais aflorada por acesso a conteúdos adultos (pornografia) via tecnologia sem supervisão, maior obesidade, crises de ansiedade e depressão em diferentes faixas etárias e dependência de eletrônicos (vício em jogos e aplicativos). Elas também desaprenderam a pegar corretamente no lápis e caneta para escrever e a usar o espaço do caderno. Também houve maior irritabilidade frente a limites e regras e menor controle das emoções diante de desafios e provocações, enfim, uma lista que só cresce se efetivamente colocarmos uma lupa no cotidiano de muitas escolas públicas e privadas.

Mas o que vimos foi o mesmo despreparo para o retorno que tivemos para a “parada”. Achamos que seriam semanas e foram anos e agora ingenuamente consideramos que a volta seria simplesmente um “retornar” e foi mais um, ou melhor, está sendo um tsunami e precisamos nos posicionar publicamente.

Dizer que o “rei está nú!” E como falar para uma sociedade que seus filhos precisam ser cuidados emocionalmente antes de retomarem a tabuada? Como dizer que precisamos colocá-los para correr e reaprender a cair e não aprisionar seus corpos nas carteiras para tirar o gap da aprendizagem cognitiva, afinal, a compreensão de sucesso de um filho é o seu desempenho acadêmico e não seu bem-estar.

E assim, começamos a presenciar as tentativas silenciosas de suicídios de jovens, os destemperos emocionais de uma criança quando pedíamos para guardar o celular ou o computador, as inúmeras quedas que acabavam nos prontos socorros, com braços, pernas e corpos quebrados pela não dimensão e pouca habilidade e reconhecimento do potencial de seus corpos, principalmente crianças pequenas.

Então, a pauta saúde mental estar virou manchete, principalmente quando se constatou que os professores estavam adoecendo e se afastando e que as escolas estavam fazendo malabarismos para permanecerem abertas mesmo sem estrutura de atendimento.

Agora imaginem os gestores escolares administrando este caos, assim como os hospitais administraram, em um comparativo considerando as dimensões distintas da mesma pauta – a Covid 19!

E ainda olhando para 2022 que está acabando, ele foi e será lembrado pelo ano que, mesmo sem querer,- porque não foi uma decisão intencional – foi oficializado o currículo oculto, ou seja, as softs skills, conhecidas como competências socioemocionais, ganharam mais espaço, viraram pesquisa e muitas editoras, surfando nessa onda, criaram materiais didáticos para não perderem a oportunidade. A BNCC previa, mas foi a pandemia que efetivou.

Triste, mas fato! O “novo normal” é o nome que deram – penso que foi criado para parecer mais familiar e menos assustador -, mas o fato é que o que estamos vivendo não é o “novo normal”, mas sim uma chance de olharmos para nós e para tudo com mais generosidade, humildade e menos apego. 2022, foi um ano para reapreender a viver em sociedade.

Esta reflexão não tem uma intenção alarmista, pessimista, muito pelo contrário, ela propõe uma breve retomada, porém consciente e analítica deste ano difícil e muito desafiador mas que finaliza com uma provocação porque temos a oportunidade de rever as escolhas educativas, torná-las mais conectadas para uma educação para a vida, mais prática e menos teórica.

Precisamos dar o senso de urgência em questões como ética, integridade, princípios e buscar nestas novas gerações experiências de uma vida com propósito, e o propósito não pode ser viver uma vida olhando e desejando o verde do quintal do vizinho, mas buscar cultivar muitos quintais coletivamente para que todos possamos, enquanto sociedade, trazer a equidade como pauta para 2023, que tal?

Ser cultivarmos ambientes mais equitativos para estas gerações, quem sabe as colheitas serão melhores!

Cláudia Siqueira é historiadora e pedagoga, fez magistério com especialização em gestão escolar. É pós-graduada em “Aperfeiçoamento de Docentes de Ensino Fundamental” pela PUC e em “Pedagogia de Projetos e Tecnologias Educacionais” pela USP. Tem como foco de pesquisa e estudo “Inovação em Educação”. Fez especialização em Primeira Infância em Harvard. É aluna Alumni da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, participando do grupo de estudos de Primeira Infância pela Fundação. Foi aluna do programa de formação docente (ISTEP) da Universidade de Stanford e, desde 2016, visita com frequência a Universidade para se aprofundar nos conceitos de EpE (Ensino para Equidade) e Mentalidades Matemáticas. É autora de livros (“Autoestima e Esporte” / “Beleza na Escola? Uma relação mais consciente e positiva com sua autoimagem” /etc.), palestrante e consultora na área de educação. Atualmente é Gestora Pedagógica do Colégio Sidarta e Gestora Geral do Instituto Sidarta (www.sidarta.org.br).

Enviado por Renata Rebesco  / Materia Primma.

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